A realidade por trás do discurso – por Giuseppe Riesgo
Nesta semana a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou o Projeto de Lei 11∕2021 encaminhado pelo Palácio Piratini que retifica a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) vigente e abre espaço para a compra de vacinas no combate a pandemia do novo coronavírus. No entanto, a despeito da importância do tema, outro ponto alterado pelo governo e que chamou a atenção é a enorme diferença no rombo das contas públicas entre o que fora anunciado, meses atrás, e o que o governo agora apresenta.
Em síntese, o governo vinha afirmando que a situação das contas públicas representava um enorme risco fiscal para 2021. Segundo os dados apresentados – e reafirmados agora em dezembro –, o déficit fiscal para o período chegaria a R$ 8,1 bilhões com o risco, se incluídos as novas regras do FUNDEB e a quitação de precatórios, de aumentar para assombrosos R$ 13 bilhões, em 2021. O discurso, assim, apontava para o caos nos serviços públicos, principalmente, se não mantivéssemos as alíquotas de ICMS da gasolina, energia elétrica e telecomunicações majoradas de 25% para 30%.
No entanto, ao lermos e analisarmos os ajustes no resultado das contas públicas enviados pelo governo, notou-se uma enorme discrepância entre alarmado no ano passado e o que fora enviado para aprovação do Legislativo gaúcho. O déficit fiscal, milagrosamente, cai de R$ 8,1 bilhões para R$ 3,6 bilhões (55% a menos) e o Executivo, agora, prevê colher um superávit primário de R$ 190 milhões ante um déficit primário da ordem de R$ 3,9 bilhões, ainda que a manutenção do aumento de impostos tenha gerado apenas R$ 1,8 bilhões para o Estado.
Mas, então, de onde vieram os outros recursos? O que mudou? Na verdade, nada. Desde o início dos debates contra o tarifaço que alerto para o terrorismo com as contas públicas feito pelo governo diante da iminente derrota para manter o ICMS majorado no RS. Não à toa, ainda setembro, vínhamos afirmando que os supostos 8,1 bilhões de déficit não pressionavam o caixa do Estado, porque mais de R$ 5 bilhões desse déficit previsto era puramente contábil. Ou seja, derivavam da dívida com a União (que não estamos pagando por força liminar) e da reserva de contingência (que nada mais é que uma reserva legal, geralmente, não gasta). Assim, o déficit que efetivamente representava um risco fiscal para a manutenção dos serviços públicos era de R$ 2,8 bilhões e não de R$ 8,1 bilhões como contabilizado.
Por outro lado, chamávamos a atenção para ajustes na receita e na despesa que estavam por vir e que o governo, convenientemente, ignorava: a retomada da economia e da arrecadação de ICMS, as receitas de capital oriundas das privatizações em andamento, os recursos oriundos do acordo da Lei Kandir e a economia nas despesas com a folha salarial derivada das reformas estruturais apoiadas pela Bancada do NOVO, garantiam a cobertura do R$ 1,8 bilhões pela volta das alíquotas de ICMS aos patamares de 2015. Esses elementos juntos, portanto, cobriam o déficit financeiro do Estado e nós afirmávamos isso taxativamente (algo que só agora ao apresentar a retificação das contas públicas o governo confessa).
Ou seja, ao invés de riscos fiscais com o FUNDEB e com precatórios, o governo veio à Assembleia Legislativa e atestou o que tanto alertamos à população gaúcha: havia espaço orçamentário para reduzir impostos; o colapso nos serviços públicos era uma vil retórica para seguir tarifando com os olhos de quem segue apenas a arrecadação e o caixa do Rio Grande do Sul.
O caos é geralmente um subterfúgio para manter a população enebriada e, obviamente, acuada pelo assombro tão propagado. Fernando Pessoa, no seu Poema em Linha Reta, bravejava por não conseguir “ouvir de alguém a voz humana”. A voz que lhe “confessasse, não um pecado, mas uma infâmia; (…) não uma violência, mas uma covardia.” Creio que o governo confessou, ainda que timidamente, confessou. Eu espero que seja o primeiro dos movimentos em prol de um Executivo mais nobre e republicano. Os gaúchos, e a nossa história, merecem isso.