Por Fábio Ostermann e Giuseppe Riesgo, deputados estaduais do NOVO
A ideia central do modelo de distanciamento controlado é permitir uma flexibilização segura das atividades econômicas, em consideração às peculiaridades das diversas regiões do Estado, sem que a mesma régua seja usada para todos os setores da economia.
Isso é feito por algumas razões. Primeiro, a epidemia não atingiu todas as partes do Rio Grande do Sul com a mesma intensidade. Há diferenças significativas em relação à velocidade do avanço do vírus, ao estágio de sua evolução e a sua incidência populacional. A demanda por atendimento hospitalar no Estado também é bastante regionalizada, com alguns hospitais centrais localizados em municípios maiores. Além disso, a capacidade de atendimento, para leitos clínicos ou para leitos de UTIs, também é distinta entre as regiões. Como resultado, existem áreas em que o vírus apresenta maior ou menor risco sanitário. Para levar isso em conta, essa metodologia atribui bandeiras de cores diferentes para cada uma das 20 regiões de saúde do Estado (as cores são amarela, laranja, vermelha e preta, ordenadas de menor para maior risco).
Nesse contexto, ainda há outra razão para ser analisada: as atividades econômicas não são todas iguais. Algumas têm alta relevância econômica e baixo risco de contágio. Outras têm baixa relevância econômica e alto risco de contágio. Por isso, flexibilizações devem levar em conta tanto a relevância econômica quanto o risco de saúde associado a cada atividade.
No fundo, esta opção adotada procura lidar com o trade off entre saúde e impacto econômico, incorporando a ponderação entre esses dois fatores na decisão de flexibilização. Cada região terá um nível de risco diferente e uma mesma atividade pode ou não estar apta ao funcionamento. A ideia geral é interessante e a proposta tem a intenção dar certa previsibilidade para trabalhadores e empreendedores na tomada de suas decisões, já que é possível antever uma exaustão da capacidade de atendimento hospitalar em caso de intensificação da pandemia.
No entanto, a implantação prática tem se mostrado complexa e, muitas vezes, equivocada. De maneira geral, modelos podem ser excelentes guias para a tomada de decisão. O resultado da análise de suas variáveis e indicadores costuma apontar as diretrizes a serem seguidas por gestores públicos na formulação de políticas. São instrumentos essenciais na tomada de decisão. É um erro, contudo, supor que modelos possam substituir a própria decisão dos gestores. São instrumentos que, por definição, captam apenas uma parte da realidade. Suas variáveis dificilmente conseguem explicar o cenário por inteiro na sua complexidade e nos seus detalhes. Por isso mesmo, por mais completos que sejam, devem apenas apontar as direções e os caminhos, sendo utilizados como uma ferramenta auxiliar na tomada de decisão, jamais tomando para si o papel de decisor.
Exemplos práticos dos problemas nessa estrutura adotada não faltam. O distanciamento controlado passou a ser aplicado a partir de 1º de maio. Desde então já tivemos duas alterações. A primeira ocorreu já no dia 20 de maio e procurou lidar com o fato de que municípios que aumentassem a sua capacidade de testagem acabariam sendo punidas com níveis de restrição mais elevados. Outra mudança foi no dia 11 de junho. Parte dela decorre do fato de que as trocas de bandeiras seriam lentas demais, principalmente de um grau menos rigoroso para um mais duro. E os dados estavam “exigindo” que as restrições aumentassem. Ou seja: aparentemente a realidade não estava incorporada nas tabelas. Dito de outra forma, “o modelo não seria suficientemente sensível à realidade”. Cabe ressaltar que, sem estas alterações, Santa Maria, Caxias do Sul e Uruguaiana estariam ainda com a bandeira laranja
Por sua vez, a última modificação aconteceu em 16 de junho, quando o Executivo anunciou a revisão das bandeiras vermelhas atribuídas à Santa Maria e Santo Ângelo. Após ouvir argumentos de prefeitos, o Governo do Estado colocou essas zonas novamente sob o nível de risco médio.
Ainda que esses ajustes tenham tido o intuito de melhorar o sistema proposto, seguidas revisões acendem um sinal de alerta, colocando em xeque este monitoramento. Quanto mais frequentes as alterações dos parâmetros de um determinado método, menor credibilidade é passada à população, pois não é possível antever adequadamente as circunstâncias. Também aumenta a chance de as pessoas acreditarem que esse modelo é, na verdade, discricionário, o que dificulta muito na previsão do que vai acontecer com as atividades econômicas de determinadas regiões (se enfrentarão mais restrições ou não).
Da mesma forma, verificamos outros problemas. Por exemplo: como explicar para os habitantes de uma região que o fechamento ou a abertura do comércio pode depender de uma diferença mínima no cálculo das bandeiras? Como mostrar para uma população que ficará em bandeira vermelha, e não laranja, por falta de habilitação de apenas dois leitos de UTI para Covid-19? Como empresários e trabalhadores vão conseguir se organizar com um abre e fecha frequente da economia decidido quase exclusivamente em uma planilha de Excel? Todas essas perguntas não têm a intenção de negar que a pandemia é grave e deve ser enfrentada com seriedade. Apenas têm o objetivo de apontar que o modelo proposto dificilmente vai captar todas as especificidades de uma região e de uma atividade econômica.
Mas qual seria a alternativa? A Bancada do Partido Novo na Assembleia Legislativa do RS aponta para as seguintes sugestões:
- Utilizar o modelo e os indicadores como instrumentos e não como único fator para a tomada de decisão;
- Considerar a capacidade futura de leitos prevista no plano de contingência estadual e não apenas o número atualmente existente;
- Viabilizar um aumento significativo da testagem e nas políticas de rastreamento da Covid-19;
- Incentivar decisões descentralizadas (aumento de testagem por setores da economia ou municípios precisa ser “premiado”);
- Mudar os pontos de corte na definição das bandeiras finais das regiões para que não tenhamos “pulos” tão drásticos de uma nível para outro;
- Inserir uma bandeira adicional no modelo de distanciamento controlado, que fique numa posição intermediária entre a laranja e a vermelha;
- Maior contato com prefeitos para entender as realidades locais e evitar que decisões sejam unicamente centralizadas.